Um caso em especial marcou a professora Marusa Bocafoli da Silva em suas entrevistas para uma tese de doutorado sobre empregadas domésticas. Em 2018, uma babá de 35 anos do bairro carioca do Leblon viajou com a família dos patrões para São Paulo. No meio da semana, passou mal e comunicou à patroa, que não deu muita importância e lhe recomendou tomar um analgésico. No dia seguinte, a empregada veio a falecer num hotel da capital paulista; sem receber a atenção devida – longe do marido e dos dois filhos, que ficaram no Rio.
A história diz muito sobre o preconceito que ainda existe em relação a esta categoria profissional, que, no Brasil, é formada por 67% de mulheres negras (dados do IBGE). Embora já fosse reconhecida pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a profissão de empregada doméstica era tratada de maneira diferente das demais categorias – não havia a obrigatoriedade do FGTS, por exemplo. A regulamentação só veio em abril de 2013, com a promulgação da Emenda Constitucional 72 (conhecida como PEC das Domésticas). Mas a atividade continua sendo tratada por muitos como sendo de menor valor.
– Ainda hoje a categoria é a que tem o maior percentual de trabalhadores sem carteira assinada: são menos de 40% – denuncia Marusa, que é graduada em História pela Faculdade de Filosofia de Campos, mestre e doutora em Sociologia Política pela UENF e atualmente trabalha como professora na Universidade Candido Mendes. “Há um histórico de preconceito. Os avanços existem, mas ainda hoje é difícil garantir os direitos dessas trabalhadoras”.
As entrevistas que Marusa fez com empregadas domésticas em Campos e na Zona Sul do Rio de Janeiro deram origem a dois livros: “Como se fosse da família – Desventuras das babás da Zona Sul do Rio de Janeiro”, e “Uma relação (in) tensa entre patroas e empregadas”.
Na análise da professora, a realidade das empregadas e babás foi forjada a partir da escravidão no Brasil. Com a Abolição, os trabalhos considerados de menor valor continuaram com os negros. Em sua opinião, é necessário pensar leis que realmente regulamentem as relações trabalhistas. “Além disso, é preciso haver uma mudança cultural, de consciência social. Este é um trabalho mais profundo, que requer investimentos em educação, debate público, lutas e denúncias. Eu vejo como um processo demorado, embora já tenhamos alguns avanços”.