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RECORDAÇÕES SOBRE A CRIAÇÃO DA UENF, PELO PROFESSOR WANDERLEY DE SOUZA

Inicialmente confesso que sempre me surpreende a velocidade com que o tempo passa. Quando a Associação de Docentes da UENF solicitou um texto comemorativo dos 29 anos da criação da universidade fui forçado a demandar da memória fatos ocorridos no início dos anos 1990 e a convivência com Darcy Ribeiro, em pleno festejo comemorativo dos seus 100 anos de nascimento.

Foi em algum dia de 1990 que o querido e saudoso amigo Antônio Cordeiro me procurou na direção do Instituto de Biofísica da UFRJ com um recado do Darcy. Ele queria conversar comigo para discutir o projeto de uma nova Universidade no estado do Rio de Janeiro. Pensava em um novo modelo de instituição voltada para a pesquisa científica, formação de pessoal pós-graduado e dirigida por pesquisadores do mais alto nível, atuando em regime de dedicação exclusiva.

Esta nova universidade não deveria perder tempo com questões burocráticas e de caráter administrativo, e para isto o modelo previa a existência de uma fundação, a Fundação Estadual do Norte Fluminense (FENORTE). Para este modelo organizacional, foi fundamental a participação de Gilca Wainstein, com grande experiência prévia em uma Fundação criada na Universidade Federal de Minas Gerais e que até hoje atua como uma exemplar fundação de apoio à administração de projetos executados pela UFMG e dezenas de outras universidades espalhadas por todo o país. Confesso que achei o modelo interessante e que merecia ser testado.

Ainda que todos estivessem exultantes quanto à criação de uma nova universidade no interior do estado, várias divergências surgiram em relação ao modelo organizacional. Para alguns, deveria surgir a partir da integração de várias faculdades existentes em Campos e que sempre desenvolveram bons programas de formação de pessoal de nível superior. Outros defendiam que não fosse uma nova instituição, e sim um novo campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Darcy logo decidiu que nenhuma destas alternativas poderia levar a uma universidade voltada para atuar no terceiro milênio, comprometida com o avanço do conhecimento. Era para ele uma inesperada oportunidade de resgatar princípios básicos iniciais da Universidade de Brasília (UnB), que tinha criado com grande entusiasmo em 1961 e que foi rapidamente deturpada com o golpe militar de 1964 e posteriormente recuperada, constituindo-se hoje em uma das excelentes universidades públicas que temos no Brasil.

Uma natural movimentação da UERJ no sentido de assumir a coordenação da instituição foi abortada com uma jogada de mestre do Darcy. Convenceu o governador Leonel Brizola a criar uma comissão especial, devidamente oficializada em ato do Diário Oficial do estado, para pensar a nova universidade e designou Hésio Cordeiro, prestigiado Reitor da UERJ, como um dos integrantes da comissão. Este foi um fato fundamental para que a UENF tivesse vida própria.

Mais recentemente verificamos um processo contrário, onde a UERJ terminou incorporando o Centro Universitário da Zona Oeste (UEZO), reduzindo de três para duas o número de universidades estaduais fluminenses. Como diria Darcy, instituições de ensino devem ser criadas, mas jamais fechadas.

Após inúmeras reuniões e um trabalho intenso por parte de todos os envolvidos na criação da UENF, ela atraiu dezenas de bons pesquisadores e de estudantes de pós-graduação e iniciou os cursos de graduação em agosto de 1993. Para que tal ocorresse, Darcy conseguiu condições especiais referentes a salários (maiores do país naquele momento) e apoio para a permanência inicial de todos no Hotel Pálace por alguns meses.

Logo a seguir, fui indicado para ser o seu primeiro reitor e organizar as bases para o ensino de graduação e pós-graduação, bem como os órgãos colegiados. Vivemos momentos de grandes realizações, sempre objeto de comemoração para cada professor ou novos equipamentos que chegavam, dando início à organização de laboratórios de pesquisa, unidade básica formadora da universidade.

Rapidamente o novo modelo baseado em uma fundação mantenedora e universidade mostrou falhas. Tive que, na qualidade de reitor, defender cada vez mais a independência acadêmica e administrativa da universidade em relação à fundação. Tal posição foi levada de forma equivocada ao conhecimento do Darcy, que, por conta de uma enfermidade, deixou de ir com mais frequência à universidade, como uma posição pessoal de independência, o que fez com que rompesse comigo e solicitasse a minha substituição.

No início de 1995, fui exonerado do cargo de reitor pelo então governador Marcelo Alencar. Tal fato gerou uma série de protestos na universidade, pois foi entendido como uma intervenção do governo em uma instituição que goza de autonomia como previsto na constituição do país. Os fatos foram esclarecidos e voltamos a ter uma boa convivência.

Houve problemas no governo de Marcelo Alencar e a situação só foi normalizada com a eleição do governador Anthony Garotinho e a minha designação como Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia, à qual a UENF estava vinculada. Rapidamente designamos o professor Adilson Gonçalves como reitor pro-tempore com a missão de elaborar os estatutos da UENF e proceder à primeira eleição comunitária do seu reitor.

Criamos mecanismos de maior apoio financeiro aos laboratórios, a contratação de novos professores e construção de novos espaços para laboratórios, o Hospital Veterinário e o Centro de Convenções. A partir daí a universidade se desenvolveu, tornou-se independente da Fundação, seguiu o seu destino e hoje se destaca no cenário universitário do país.

 

Primeiro Reitor da UENF, Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia Nacional de Medicina, da U.S. National Academy of Sciences e do Conselho da Fundação Darcy Ribeiro

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